Aberta a
temporada de caça ao javali no Sul e Sudeste
Ibama libera o controle do animal
que pode chegar a 250 kg, ameaça o equilíbrio dos ecossistemas e destrói
plantações, mas atividade divide opiniões
POR BRUNA
DE ALENCAR, COM VINICIUS GALERA
Cristian Gollo é o
presidente da associação Brasil Safari Clube (Foto: Arquivo pessoal)
Capaz
de destruir até 60% da safra e de atacar animais domésticos, o
atual inimigo dos produtores agrícolas das regiões Sul e Sudeste não pertence à
fauna brasileira. Em quantidade desordenada, ojavali-europeu (Sus scrofa),
também conhecido como porco selvagem, é uma ameaça às lavouras, nascentes dos
rios e também à saúde humana.
Com
aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), desde 2013 os moradores dessas regiões estão utilizando
a caça como medida de controle populacional do animal. A lei proíbe a venda ou
o transporte da carne e subprodutos de javali.
Reconhecido
como uma espécie nociva pelo Ibama, o javali europeu foi introduzido no país no
a partir do início do século passado para exploração comercial. A
atividade não se desenvolveu, resultando na soltura e na reprodução
descontrolada dos animais, que não têm predadores naturais.
Desde
então, a presença de grupos de javalis já foi registrada nos Estados do Rio
Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do
Sul, Mato Grosso, Goiás, Bahia e Acre.
“Além
de ser um animal extremamente violento, uma das maiores preocupações nossas
ainda é o aspecto sanitário. A base das pequenas propriedades
na nossa região é a suinocultura. Um embargo sanitário por
compradores russos, por exemplo, bastaria para uma recessão econômica rural enorme,
queda de valores das áreas rurais”, diz Jakó Jacomel, produtor de Joaçaba (SC)
adepto da caça.
As
formas mais convencionais de caça em Santa Catarina são com o
uso de matilhas para farejar os javalis; cevas (prática que utiliza milho ou
outros grãos para atrair os bichos) ou a busca com armas. “Existem outros meios
físicos, como as armadilhas, mas estas não têm a mesma efetividade da caça. O
controle desses bichos é um desafio mundial e não uma
exclusividade do Brasil”, explica o médico e presidente da Ong Brasil
Safari Clube, Cristian Gollo.
Os
primeiros casos de porcos selvagens em propriedades rurais de
Santa Catarina, um dos Estados mais afetados pela presença dos javalis, datam
de 2006. O caso chamou a atenção do Ibama e daPolícia Militar Ambiental do
Estado, que permitiu a caça para controlar a população de javalis no
território catarinense em 2010. Segundo o Tenente Tatiano Cabral, somente em
2015 foram abatidos 920 animais na região.
Caça controversa
A
prática divide opiniões. Ongs protetoras dos animais criaram páginas na
internet para denunciar os caçadores. De acordo com Jacomel, os moradores e
produtores envolvidos com o abate dos javalis recebem ameaças quase que
diariamente.
Javalis destruíram
milharal em Santa Catarina (Foto: Arquivo pessoal / Cristian Gollo)
Para
o professor do departamento de biologia da USP de Ribeirão Preto Adriano
Chiarello, especialista em espécies invasoras, a caça quando
bem monitorada pode fazer parte do ecossistema. “Não podemos olhar para um
caçador de maneira negativa. Até porque a natureza é controlada por predadores.
Quando a natureza não é capaz de exercer esse controle, cabe ao homem esse
trabalho”, defende. “Matar é uma opção péssima, mas não há uma alternativa
menos drástica”, completa.
Capturar
os animais e transferi-los para outra área não é uma opção viável no momento,
segundo o professor. “Primeiro, teríamos que adquirir equipamento de captura
eficaz, depois teríamos que pensar no transporte de animais de grande porte. E,
por fim, onde poderíamos abrigar os javalis? Quem cuidaria desses animais?
Estamos nos referindo a milhares de javalis. É péssimo ter que matar um javali,
mas é pior deixá-lo no ecossistema”, diz Chiarello.
Impactos
ambientais
De
acordo com o Ibama, a presença desordenada de porcos pode ocasionar a
diminuição de espécies vegetais nativas, acarretando prejuízos às
formações vegetais, a aceleração do processo de erosão e o aumento
do assoreamento dos rios. Quando em contato com espécies nativas os javalis
podem transmitir doenças, provocar a diminuição das populações
silvestres ou a morte de espécies da fauna nativa.
Porcos
selvagens são capazes de transmitir a brucelose, leptospirose, febre
aftosa, tuberculose, parvovirose suína e encefalite japonesa. Além disso,
também são conhecidos por espalhar a doença vesicular do suínos, febre, a
doença de Aujeszky e também peste suína ou cólera do porco.
Autorização para
caça
Todas
as pessoas (físicas e jurídicas) que desejam realizar o manejo do javali
deverão inscrever-se previamente no Cadastro Técnico Federal de
atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais
e seguir o estabelecido pela Instrução Normativa Ibama nº 3 de 31 de janeiro de
2013.
O
artigo 2, § 7º da normativa determina que a aquisição, o transporte e o uso de
armas de fogo para o controle de javalis deverão obedecer as normas que
regulamentam o assunto.
O
documento, que autoriza o controle, é de porte obrigatório. Também é preciso
seguir a Instrução Técnica Administrativa nº12 de março de 2015, que estabelece
a validade da guia de tráfego das armas de caça (esta deve ser compatível com o
registro ambiental).
Pela
norma atual, quem abate o javali não pode comercializar a carne nem ser
remunerado por esse controle ambiental. As armas devem ser de calibre superior
a 38 para garantir a letalidade e não são permitidas armadilhas de caça que
causem maus tratos aos animais como ferimentos, morte, e nem cause danos a
outras espécies (Art 10 da lei 5197).
É
importante lembrar que a caça esportiva não é regulamentada no
Brasil e a caça profissional (com fins lucrativos) é proibida, de acordo com o
artigo 29 da lei 9.605/1998. A caça de javalis não é esportiva, o que é
permitido é o manejo da espécie
com objetivo de controle populacional.